quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Justiça Federal de Lajeado (RS) absolve irmãos acusados de impor a trabalhadores condições semelhantes à de escravos

     Dois irmãos, acusados de reduzirem 18 trabalhadores à condição análoga à de escravo, foram absolvidos pela 1ª Vara Federal de Lajeado na sexta-feira (8/9). Conforme o juiz federal Andrei Gustavo Paulmichl, responsável pela sentença, a existência de infração às normas trabalhistas, por si só, não caracteriza a prática do crime do qual foram denunciados.

     Segundo o magistrado, “o trabalho em condições degradantes, para fins penais, é aquele que, violador de direitos, concorre para a nulificação da personalidade, num contexto em que as escolhas do trabalhador já não possam ser consideradas, de modo algum, como decorrentes do exercício de sua autonomia, importando senão uma submissão diante da ausência de alternativas laborais concretas que lhe permitam prover a subsistência. O trabalhador se conforma em sujeitar-se à condição de objeto do seu contratante, que o trata intencionalmente como tal”.

O caso

     O Ministério Público Federal (MPF), autor da ação, narrou que, em agosto do ano passado, uma das vítimas teria ido até o posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) informando que teria sido agredida por um dos irmãos em virtude de não ter atingido suas metas de trabalho. De acordo com a denúncia, os réus recrutavam pessoas na Paraíba e traziam para o Estado gaúcho, em um caminhão baú, para trabalharem como vendedores ambulantes, sem carteira assinada e em condições degradantes de alojamento e alimentação.

     O MPF afirmou que a PRF, em ação conjunta com a Polícia Civil e com o Ministério do Trabalho e Emprego, realizou abordagem ao veículo. Na ocasião, foram localizados, no compartimento de cargas, vários indivíduos com seus pertences pessoais, colchões, redes e materiais para revenda. Ainda conforme o autor, todos os trabalhadores possuíam dívidas com os irmãos em valores expressivos que superavam os seus ganhos médios mensais.

     Em suas defesas, os réus alegaram que os fatos não aconteceram da forma como foi relatado na denúncia. Sustentaram que não há elementos que demonstrem a submissão de trabalhadores a condição análoga à de escravo.

O crime

     O juiz federal Andrei Gustavo Paulmichl pontuou que o dispositivo legal é bem abrangente, “bastando para a configuração da tipicidade formal, que seja praticada alguma das condutas exemplificadas (submeter alguém a trabalhos forçados, submeter alguém à jornada exaustiva, sujeitar alguém a condições degradantes de trabalho ou restringir, por qualquer meio, a locomoção de alguém em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto)”.

     Segundo ele, a norma visa proteger a dignidade humana do trabalhador, mas, por se tratar de tutela penal, a ofensa deve ser grave, “concluindo-se no sentido de reservar a incidência da norma incriminadora aos casos nos quais as condições de labor sejam degradantes ao ponto de se poder dizer que a vítima transformou-se num objeto da vontade do agressor”. Dessa forma, para a caracterização deste crime não bastaria a verificação de que foram suprimidos os direitos trabalhistas.

Absolvição

     Ao analisar o conjunto probatório anexado aos autos, Paulmichl destacou que as testemunhas de acusação confirmaram a tese defendida pelo MPF. Entretanto, para ele, é preciso fazer uma ressalva de que estes depoimentos estavam alicerçados no que ouviram da suposta vítima que denunciou os irmãos para a PRF.

     “Isto é, as circunstâncias hábeis a materializar o tipo previsto no art. 149 do Estatuto Repressivo, precisamente o emprego da vis corporalis em face dos trabalhadores, a constrição da liberdade topográfica de locomoção por meio da alcova, a coerção psíquica em decorrência de pretensa dívida impagável, não foram efetivamente visualizadas pelas testemunhas e, ao cabo, não foram repristinizadas em Juízo”, sublinhou.

     O juiz afirmou ainda que as declarações dos depoentes de defesa, que seria as outras supostas vítimas, rechaçaram a ocorrência do delito. Eles falaram que recebiam alimentação e higiene básicas, não tendo melhores condições na Paraíba, e que podiam buscar condições diversas, inclusive ficar em hotéis ou pensões ao invés de pernoitar no caminhão.

     “Deste modo, ainda que caracterizado o descumprimento de normas de segurança, irregularidades no cumprimento da legislação trabalhista e a precariedade do local em que os trabalhadores conviviam, essas condições não se demonstraram intensas e aviltantes ao ponto de caracterizar condições degradantes de trabalho, mostrando-se suficiente, para tanto, o tratamento dispensado no âmbito da legislação trabalhista ou, eventualmente, outros tipos penais”, destacou.

     Paulmichl julgou improcedente a ação absolvendo os réus. Cabe recurso da sentença ao TRF4.


Fonte: www2.jfrs.jus.br

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